Elisa Araujo da Silva - 1° MAM
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Coração Cariri
1963...Nasci.
Meu pai, Pernambuco, minha
mãe, Alagoas...
Fui recebido com alegria.
Sangue Nordeste, nasci
Sudeste.
Nasci São Paulo, da garoa,
do trabalho, do vai e vem de gente apressada,
Sem tempo pra abraço ou carinho.
Da negrura do asfalto, do
cinza do arranha-céu...
Coração concreto!
Nasci Sudeste, mas meu
coração não é daqui
É da Feira de Caruarú, dos
bonecos de Olinda,
Do suor e sangue do
Pelourinho,
Das águas de Paulo Afonso...
“- O que é que a baiana tem?”
– perguntou Dorival.
Tem cultura, tem sangue...
Hoje tem lágrimas de
saudades pelos filhos que agora não vê...Viraram São Paulo e se foram.
Na secura do agreste, a água
sobra no suor da peleja,
Na plantação de mandioca,
milho, feijão de corda,
No esperar o inverno... Ah!
A chuva!
No receber o estrangeiro
como amigo que há tempos não vê,
Água não falta na hora de
dizer com um abraço
Da alegria de receber
“cidade grande”...
Mas na secura do
asfalto faltou “água” pra receber quem
construiu...
No cinza do concreto faltou
acolher quem levantou...
O gelado da garoa não
aqueceu João, Maria, José, Raimundo, Severino...
- Cadê painho? Tô com
fome...
Choro de criança nordeste,
escondida no barraco sem teto nem chão.
“As aves que aqui
gorjeiam...” um dia serão livres
Nasci Sudeste, mas meu
coração é do Agreste.
É do Jalapão, de
Pajuçara, de Canoa Quebrada...
Quem conserta?
Ele grita e chora
saudades...
Vivo preso em cimento e aço,
mas meu coração é livre
No voo sozinho da
ararinha-azul do Sertão baiano,
Corre nas águas do Velho
Chico,
Venta no Cabo Branco,
Descansa em Porto Seguro,
Sonha Boa Viagem...
No silencia da Caatinga, o
vento fala:
- Cariri!!
Irmão índio me ensinou que é
silêncio na sua língua
E meu coração aprendeu:
- Silêncio!
Meu coração “agreste” se
intriga com a jia na cacimba,
Come o fruto do mangue,
guaiamum,
Bebe água de coco em
Candeias e se perde no Capibaribe...
Meu coração é pintado em São
Luís, Luta em João Pessoa,
Liberta em Salvador, tira o
chapéu em Juazeiro...Tradição!
No Ceará é Fortaleza... Em
Sergipe é Mangue Seco, lindo!
- Ó, Dionete! Traz o licor
de jenipapo. Tem visita!
Na chegada, já aperta a
saudade:
“Não posso ficar nem mais um minuto com
você...”
- Mande lembranças pra
mainha e um “cheiro” em painho...
Na saída “Volte sempre,
minha casa é sua casa.”
Este é o brasileiro do
agreste: divide o pouco da mesa por ter muito no coração!
Gente!!
Nasci Sudeste.
Mas meu coração é Cariri e
planeja o cafuné na rede,
O sal do mar azul,
O sol na areia branca,
Um dia... Um dia...
Meu coração é Cariri,
Mas por enquanto, Sudeste.
Fico saudades...
Silêncio...